sábado, 27 de agosto de 2011

CICLO OU SÉRIE

CICLO OU SÉRIE?

A partir da década de 1980 verificou-se uma universalização do ensino básico, com a eliminação dos exames de admissão e vestibulinhos. Sabemos, porém, que essa democratização do ingresso na escola pública não foi acompanhada de mudanças nas políticas públicas e nos investimentos que garantissem melhoria na qualidade de ensino. Assim, o processo de exclusão que antes acontecia no portão da escola, passou a se realizar em seu interior, no processo de ensino/aprendizagem, seja através de reprovações constantes, seja por aprovações com aprendizagem precária.
Uma das tentativas de saneamento dessa precariedade do ensino/aprendizagem foi a organização dos tempos em ciclos ao invés de séries.
Segundo Maria Aparecida Jacomini (1), “a escola seriada cumpriu a função de reprodutora da estratificação social”, na medida em que, através da reprovação e evasão, assimila o princípio social da seletividade, reproduzindo a reserva de lugares determinados às diferentes classes sociais. Assim como na sociedade competitiva em que vivemos, todos têm chance, mas só os mais capazes conseguem progredir, na escola todos têm o mesmo ensino, mas só quem merece aprende.
Para que a escola pública seja de fato democrática, há que se repensar o processo de ensino/aprendizagem de tal forma que a escola não se contente em garantir um ensino de qualidade, mas que se preocupe com o aprendizado do aluno, que aceite o desafio de saber por que muitos não aprendem.
Dentro dessa preocupação, foram feitas várias experiências de organização em ciclos, entendida “como proposta alternativa para se pensar o tempo, o espaço, os conteúdos e as metodologias que compõem o processo de ensino e aprendizagem”.(2) Note-se que, nesta definição, o ciclo não é simplesmente uma série mais longa, organizada no intuito de adiar as reprovações, mas uma tentativa de reorganização do tempo que permita a universalização do aprendizado, tornando tanto quanto possível desnecessárias as reprovações. Para isso, não basta alongar o tempo, mas também adaptar os espaços, reorganizar os conteúdos e metodologias.
Podemos então perceber que a organização em ciclos não se confunde com progressão continuada, pois seu mecanismo não se coloca a serviço da economia de recursos, para livrar-se do aluno de forma mais fácil e rápida, mas, ao contrário, de mais investimentos de recursos financeiros e pedagógicos para garantir aos alunos uma flexibilidade maior que lhes permita aprender, dentro da diversidade de suas condições. Não se pode falar em ciclos se continuarmos a pensar os tempos e os planos de ensino com a mesma rigidez do ensino seriado. Há que se garantir a mobilidade do aluno dentro do ciclo, a valorização dos projetos e dos tempos de aprendizagem fora do tempo e espaço da aula.
Para que as Diretrizes possam ser construídas para uma escola em ciclos, conforme opção (e ainda não realidade) de nossa rede, temos de levar em conta, no detalhamento dos conteúdos, estratégias e avaliação, os seguintes pressupostos:
1. Necessidade de maior tempo de discussão entre os professores. O tempo de TDC é exíguo e, via de regra, mal utilizado.
2. Necessidade de uma postura de mais questionamento por parte de todos os profissionais envolvidos no processo de ensino/aprendizagem. Não podemos mais, diante dos problemas que cada vez mais se agravam e se avolumam, agarrarmo-nos ao que estamos acostumados a ver e fazer, sem qualquer espírito crítico.
3. Necessidade de recursos mais consistentes, para garantia de espaços adequados e reorganização dos tempos pedagógicos dos profissionais, garantindo-lhes a possibilidade de melhor acompanhamento do desempenho de seus alunos.
4. Intensificação das discussões na rede, não simplesmente para que todos saibam o que é ciclo, mas para definição das estratégias para sua implementação.
5. A escola tem de ser pensada como todo por seus participantes. Ao invés de “cada um ficar na sua”, pensar projetos que envolvam a todos, respondendo às necessidades da escola.
6. Preocupação em motivar o aluno para o querer saber e não simplesmente o estudar para escopos externos ao processo de aprender. Para isso, temos de assumir um posicionamento político contrário à cultura da sociedade de consumo que o aluno traz para a escola, denunciando o habito do mínimo esforço, a supervalorização do bem adquirido, do prazer estéril e horizontes imediatos. A cultura da sociedade de consumo constrói-se num processo de infantilização, na medida em que tutela os nossos sonhos e tende a nos transformar em consumidores o tempo todo, em todas as nossas relações, inclusive na relação de aprendizagem.
7. Saber trabalhar com o aluno que se auto exclui da aprendizagem e com o aluno que, ante alguma dificuldade, desanima. Um ciclo bem implementado proporciona algumas condições para que o professor realize essa distinção. Além disso, o diálogo com os alunos para a construção de um “clima” que se imponha aos “que nada querem” e possivelmente os envolva. Desejável, para isso, a ajuda de um psicopedagogo.
8. No detalhamento dos conteúdos, ao invés de uma lista rígida de assuntos a serem “dados”, a preocupação com o “fazer sentido” de cada assunto, entendido como ponto de partida para compreensão da realidade de nossa convivência. Nesse sentido, temos de lançar mão de todos os recursos ao alcance da escola para ampliação do universo mental do aluno.
9. Preocupação constante com uma real interligação da rede, com apresentação e discussão de experiências presentes nas práticas dos professores. Até agora, em nossa rede, nossa interligação está sendo mais burocrática em torno de tarefas comuns a serem cumpridas do que em torno da vida que ela pulsa.
Notas:
(1) Jacomini, Marcia A., A escola e os educadores em tempo de ciclos e progressão continuada: uma análise das experiências no estado de São Paulo, in Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, set/dez 2004, pg. 403
(2) Idem, pg. 403

Estudo do meio

A PROPÓSITO DE NOSSA ATIVIDADE DE ESTUDO DO ESPAÇO DA CIDADE REALIZADA EM 30/07/211

Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes do que nunca no fim do segundo milênio.
E. Hobsbawn, Era dos Extremos.


Andando pelo centro de Campinas, tomamos consciência da pressa com que os tempos são atropelados e literalmente submersos. Revitalizar é preciso. E assim, vamos enterrando os vestígios do passado, assim como, em nossa vida pessoal, jogamos nos porões de nosso inconsciente as lembranças de sensações e experiências que não constituem mais ferramentas de trabalho de nossa vida cotidiana.
Mas, volta e meia temos de retornar a elas para resgatarmos nossa identidade própria, dando um basta no arrastão que tenta impingir-nos uma identidade alheia, alienada a interesses dominantes.
E, então, o historiador é mais necessário que nunca. É ele que desenterra o que está escondido, para que nossa verdadeira identidade apareça. Que desvela os interesses que moveram as mudanças espaciais durante o tempo. Ou seja, que faz com a sociedade, de alguma forma, o que o analista faz com a pessoa: cria condições de reencontrarmos nossas raízes. O professor de História, na feliz expressão do Alberto Nassiasene, torna o aluno cumplice desse trabalho.
Durante o curto passeio pelo largo do Carmo, rua 14 de dezembro, Barão de Jaguara e Cesar Bierrembach, pudemos nos dar conta de quanta história escondida e, também, de quanta história sugerida, pois apesar da implacabilidade destruidora do tempo, quantos indícios ainda restam e que, no nosso andar apressado do dia a dia não nos damos conta. Por isso, é preciso estudar, mais do que ver, perquirir, perguntar, estar atento.
Em Souzas e Joaquim Egídio tomamos contato com um passado exuberante em termos econômicos e culturais. Um grande número de fazendas que ainda restam mas que nem de longe repercutem o que foram quando a distância do centro de Campinas levava os moradores a construírem uma vida social quase que autóctone.
Somente a Vila Antiga ficou um tanto dissonante nesse roteiro. Ou, dependendo da forma como a encaramos, podemos de alguma forma coloca-la no roteiro. A par da comida deliciosa, pudemos ver como o passado pode ser tratado: uma coleção de objetos antigos, descontextualizados e desterritorializados. Ironicamente, bem ao lado do Alphaville, reduto do que há de mais moderno e luxuoso como local de bem morar...
Temos agora que pensar essa experiência de estudo do meio, dentro do que pedem as Diretrizes de nossa rede, cujos objetivos já foram traçados.
Elas pedem o “resgate da história local e regional, da história da África e cultura africana, afro brasileira e indígena (lei nº 10639/03 e lei nº 11645/08), bem como a valorização da memória, que é o mote central da cultura popular, através da oralidade.” Não como um capítulo à parte em nosso currículo, mas de forma integrada. Isso significa que, em qualquer assunto abordado em História temos de estar atentos aos referenciais de nossa história local. Ou seja, temos de construir o ensino de uma história integrada entendida não só como “o Brasil integrado à história da humanidade”, com farto material já encontrado em nossos livros didáticos, mas como a nossa história local integrada à história do Brasil e mundo.
No trabalho que temos à frente nesse 2º semestre, temos de ter sempre em conta a necessidade da busca desses referenciais. Certamente assuntos como a agroindústria do açúcar, a mineração, a escravidão, a cafeicultura, a industrialização ganharão novos coloridos que possibilitarão uma melhor compreensão por parte de nossos alunos.
Campinas, 07 de agosto de 2011
Antonio Carlos Rodrigues de Moraes